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terça-feira, 30 de novembro de 2010

Nosso treinamento de ator

Antes de iniciar o processo criativo da nossa próxima peça - É Uma Vez e Para Sempre - resolvemos nos trancar na sala de ensaio para nos exercitar, para trabalhar e esclarecer questões com relação a arte do ator que vinham nos perturbando há algum tempo e que queríamos que estivessem mais fundamentadas e bem resolvidas na peça que desenvolveremos. Passamos por práticas desenvolvidas pelo LUME TEATRO, treinamentos de AIKIDÔ e trabalho com o clown, trazidas por nossos colaboradores: Kysy Fischer, Larissa Lima e Heidy Mayumi.
Estamos nesta empreitada há apenas dois meses, mas alguns caminhos muito interessantes começam a ser apontados.
Abaixo, Renato Sbardelotto, ator integrante do projeto, fala sobre nossos anseios e nossas primeiras conclusões.

"Em nossos “treinamentos” buscamos novos caminhos para um dos grandes dilemas da arte da representação: a repetição. Juntos, em todas as tardes possíveis durante três a quatro horas (cerca de 15 horas por semana), trocamos idéias e práticas a respeito do corpo do ator, do nosso corpo, desse corpo que se coloca como ator quando chamado a assumir uma profissão. Sendo esta uma escolha maravilhosa e ao mesmo tempo muito nebulosa (amedrontadora), por estreitar limites às vezes tão delineados na sociedade entre o que se define por “arte” e o que se coloca como “vida”. Acho que somos capazes de entender certas coisas, de nos entender e, conseqüentemente, de entender o outro, o humano, por caminhos e com sentidos diversos que só através da “arte de ator”, ou da “arte do performer” - aquele que atua com a forma de seu próprio corpo -, pode-se entender. Entendendo que o corpo também é texto, meio e informação nele mesmo posso dizer que está incutida na arte do ator a leitura do corpo e o trabalho sobre a arqueologia do vocabulário do corpo.

Assim como a leitura de livros, textos ou qualquer enunciado escrito/ouvido nos alimenta de vocabulário para se expressar, a técnica que seguimos na ACRUEL parece se enveredar pelo mesmo caminho, pelo seguimento “leitura – vocabulário – expressão”. A exaustão corporal no treinamento de ator proporciona ações no corpo às quais ele não poderia prever, ou pensar em fazer, justamente por ter de pensar em muitas coisas ao mesmo tempo, em um espaço de tempo muito curto, muito rápido. É como se esse corpo-carne boicotasse o corpo-razão, que cotidianamente precisaria de mais tempo para processar informações, provocando linhas de encontro em direção ao que chamamos de corpo-mente. Determinados músculos ativados durante a realização do treinamento carregam memórias que esse corpo não encontra em estado consciente. O toque, ou a percepção da existência desse pedaço do corpo carregado, abre o corpo para um entender maior de si mesmo e, como conseqüência, um aumento de vocabulário consciente para o ato de representação.

A partir da leitura de textos sobre o trabalho de Jerzy Grotowski em seu Teatro Laboratório, nós, integrantes da ACRUEL, nos aproximamos de proposições e de termos aos quais tomamos para nosso próprio vocabulário de trabalho. Dentro desses termos são dois os que nos saltam ao olhar: espontaneidade e precisão; sendo estes provocadores do que denominamos de “verdade cênica”. Por que num dia a cena foi ótima e no outro não foi? Como repetir a mesma seqüencia de ações com potências semelhantes a cada dia de espetáculo? Como interligar treinamento e processo criativo? Como trabalhar emoções num treinamento aparentemente tão rígido? Como pensar a subjetividade de uma criação de cena e personagem em exercícios aparentemente tão objetivos?

O trabalho do ator sobre si mesmo parece ser o caminho ao qual seguimos atualmente, antes da inserção do texto e da criação de cena e personagens. Esse trabalho viabiliza o conhecimento e exploração de potenciais criativos na práxis diária do ator enquanto homem do mundo e enquanto homem no mundo, em relação direta com o ambiente: sala de ensaio, movimento da rua fora da sala, presença dos colegas em trabalho, noção do ambiente por inteiro - incluso ele, o ator. Em nossos encontros trabalhamos com fatores como: desenvolvimento muscular, precisão física, atenção, ritmo, respiração como condutora de energia, percepção da inteireza do corpo, mudança de foco de atenção, direcionamento de atenção e energia, tensão muscular, tracionamento muscular, relaxamento muscular, oposição muscular, enraizamento, controle de peso, noção do centro de gravidade, tridimensionalidade do corpo no espaço e troca de informação entre participantes. Esses fatores nos conduzem na exploração de exercícios derivados das praticas de colaboradores do grupo.

A repetição embebida de verdade apareceu em nossas discussões desde o início do projeto. Por colocar em jogo materiais/experiências de trabalhos anteriores adiantamos esse questionamento no desejo de criar um espetáculo que seja encontro possível para diferentes públicos; e ao mesmo tempo particular em suas escolhas.

Na atual fase do trabalho pudemos começar a responder nossos próprios questionamentos. Percebemos que a transição do treinamento físico ao processo criativo é mais subjetiva do que pensávamos. O corpo acostumado aos treinamentos diários e ao contato de determinados estados de energia passa a encontrar esses estados em um tempo menor e mantê-los ativos com mais sabedoria. Assim como experiências cotidianas grudam na pelememória do homem e o acompanha, a práxis assumida pelo grupo em fase de treinamento, inevitavelmente, se faz presente no corpo pós-treinamento. E é esse mesmo corpo que entrará
em processo criativo".

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