sábado, 15 de janeiro de 2011

A arte do ator

Além da questão da apoteose e da derrisão, exposta no post anterior, há outro elemento que nos interessa nos estudos de Grotowski, a sua compreensão da arte do ator:
"Paradoxalmente ele interpreta a si mesmo enquanto representante do gênero humano nas condições contemporâneas. Choca-se na sua palpabilidade espiritual e corpórea com um certo modelo humano elementar, com o modelo de um personagem e de uma situação, destilados do drama: é como se literalmente se encarnasse no mito. Não as analogias espirituais com o protagonista criado, não as semelhanças dos comportamentos, próprias de um homem fictício em circunstâncias fictícias. Desfruta o hiato entre  verdade geral do mito e a verdade literal do próprio organismo: espiritual e físico. Oferece o mito encarnado com todas as consequências, não sempre agradáveis, de tal encarnação.
Se - suponhamos - faz um comandante que morre em batalha, não procura reproduzir em si a imagem de um verdadeiro comandante que realmente está em agonia no tumulto do combate; não procura o que aquele pode sentir e como se comporta, para depois viver e reproduzir subjetivamente no palco de modo crível, orgânico este conhecimento de algum modo objetivo sobre os comandante agonizantes. Ao contrário, no próprio fato de que alguém se imagine como um comandante agonizante, poderá encontrar-se a própria verdade, o que pessoal, íntimo, subjetivamente deformado. E então, por exemplo, representará o próprio sonho de uma morte patética; a nostalgia de uma manifestação heróica; a humana fraqueza de sublimar-se às custas dos outros, desvelará as próprias fontes, uma após a outra, como se desnudasse o tecido vivo. Não recuará devendo violar a própria intimidade, os motivos pelos quais se envergonha. Ao contrário, o fará até o fim. É como se oferecesse - literalmente - a verdade do seu organismo, das experiências, dos motivos recônditos, como se oferecesse aqui, agora, diante dos olhos dos espectadores, em não em uma situação imaginada, no campo de batalha. E assim responderá à pergunta: como ser um comandante, sem ser um comandante? Como morrer em batalha, sem combater, nem morrer? Cumprirá o ato de desnudar-se dos próprios conteúdos secretos, de sacrificar as falsidades superiores sobre o altar dos valores" (p. 92-93).
Artigo A arte do Ator, de  Ludwik Flaszen. In O Teatro Laboratório de Jerzy Grotowski. São Paulo: Perspectiva/Edições SESC SP, 2010)

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