segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Crítica de Espaço Outro por Márcio Marciano

22/08/2010
CRÍTICA - Flores humanas no seio da praça
Espaço Outro, intervenção teatral que Acruel Companhia de Teatro, de Curitiba, levou à Praça 9 de Julho, no centro da cidade, na tarde ensolarada do último sábado, chama atenção antes de tudo pela clareza de seu programa: a criação de um “espaço outro”, através da instalação de uma espécie de estufa de acrílico para “flores humanas”. Trata-se de um ponto de observação que privilegia o olhar sobre os acontecimentos de seu entorno ao instaurar uma espécie de vitrine viva no seio da movimentação habitual do lugar. A ideia já é em si mesma uma interferência na paisagem da praça, na medida em que promove a experiência da Alteridade, tanto àqueles que ocupam a estufa durante a performance, quanto ao público passante, que a um só tempo observa e é observado em sua ação de observador.
Uma vez na estufa, o público que ali permanece, acompanha uma narrativa em off de modo a orientar seu olhar para pequenos incidentes que ocorrem entre os passantes. São imagens isoladas, cenas de improviso, ligeiras coreografias, encontros e desencontros fortuitos. Os atores formando blocos, vestindo roupas da mesma cor se revezam nas intervenções. As informações em off auxiliam o público da estufa na criação de um quadro de referências às vezes objetivo, às vezes poético, para o que acontece do lado de fora. Os passantes, por sua vez, operam uma recepção de outra qualidade, uma vez que não dispõem das mesmas referências e constroem por si mesmos os nexos de uma possível narrativa.
Esse jogo de interferências mútuas amplia o alcance da performance na medida em que o olhar do espectador incorpora ao evento cênico a teatralidade contida na recepção de quem é observado enquanto observa, numa espécie de espelhamento imediato de suas próprias reações. Assim, a intervenção adquire caráter crítico, ao incorporar no ato da observação o processo de seu descondicionamento.
Cabe ressaltar, no entanto, que o universo dos incidentes apresentados não consegue ultrapassar os estreitos limites das relações inter-pessoais, problemas de relacionamento afetivo, indisposições metafísicas juvenis, em suma, hipóteses de laboratório, construídas a partir de referências literárias, longe da matéria negativa que prolifera nas grandes cidades.
Considerando o alcance do programa, sua capacidade de intervenção poética no espaço urbano, seria o caso de indagar se não valeria a pena uma observação interessada na matéria social que brota das ruas.


Por Márcio Marciano : Dramaturgo e diretor teatral integrante do Núcleo de dramaturgia da Companhia do Latão há onze anos, escreveu e dirigiu em parceria com Sérgio de Carvalho, mais de uma dezena de espetáculos.

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