quinta-feira, 18 de setembro de 2008

TODOS OS OLHOS



Olhei seu sorriso e achei que vi um sorriso. Olhei seus olhos e achei que era pra mim. Não vi mais ninguém, perdi o foco – eu sou assim, num piscar de olhos me deixo pegar. Não me olhe desse jeito, não veja isso como um problema – não se sinta responsável – não sou raposa, nem você é príncipe, nem ninguém é responsável por aquilo que cativa. Não olhe pra trás, o que foi já foi, eu estou aqui parada, mas, se fechar os olhos, estarei em muitos lugares, assim mesmo, num piscar de olhos. As coisas não são o que parecem, tudo é o que se quer ver, pra ver outra coisa basta dar a volta, atrás da escola está o traficante, acima do cenário está o urdimento, debaixo do tapete está a sujeira, os lactobacilos são bactérias ou são yakult?, tudo depende de o que se vê, de pra onde se olha, de como se quer ver as coisas, eu tenho muitos olhos, eu não tenho olhos só pra você – eu sei, eu pareço volúvel – com um olho eu choro, os outros eu pinto pro baile. Atrás do baile tem a cozinha do baile, se você visse a cozinha não comeria esta esfiha, o que é diversão pra uns é trabalho pros outros, quem trabalha no que gosta economiza os olhos, eu uso óculos porque acho charmoso, faz parte deste meu jeito, é assim que eu quero ser vista, como você pode ver eu me ligo um pouco em aparências, mas – no fundo, no fundo – meu olhar interior é bem generoso – não sei, soa meio presunçoso isso, mas alguém me disse e eu achei bonito – repeti – desculpe – perdi o foco de novo, viu? – muitos olhos, é fácil perder o foco – óculos multifocais, eu uso eles pra ler, pra ler este seu sorriso e esta pequena lágrima escondida no canto do seu olho, pronta pra pular e me afogar – eu não vou me afogar – não vou te afagar nem te bater. Pode ir chorar escondido dos meus olhos – eu sei que deixo as pessoas constrangidas como se todos os olhos estivessem olhando – haja talento pra tantas câmeras – haja ângulos bons pra mostrar – mas eu juro, sou boa fotógrafa e o resto a gente resolve no photoshop.

Márcio Mattana

Um comentário:

  1. Com tantos olhos e tantos focos, é um desperdicio não olhar para trás.
    Do que será que tem medo? De virar uma estátua de sal?
    É impossível compreender alguma coisa de tantos focos diferentes se não souber olhar para trás...
    não se vai adiante sem olhar para trás...
    aprendi isso em um cinema 360 graus... lendo um texto, lá atrás.

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